Das dores às cores... a ira e a ternura de um olhar mestiço
“De povo em povo, de cidade em cidade fomos testemunhas da mais intensa miséria: povos de barro preto, de terra preta, com crianças enlameadas de barro preto; homens e mulheres com rostos de pele queimada pelo frio, onde as lágrimas foram congeladas por séculos, até não saberem se eram de sal ou eram de pedra. Música de zampaãs e rondadores que descrevem a imensa solidão sem tempo, sem deuses, sem sol, sem liho. Apenas a lama e o vento”
La Capilla del Hombre
Fragmento escrito por Oswaldo Guayasamín, livro “El tiempo que me ha tocado vivir”
“Autoretrato (1963-65)” |
Oswaldo Guayasamín... até hoje, um total estranho no meu universo artístico. Um pintor equatoriano que em suas telas expressa toda sua ira e apresenta as dores de um povo que sofreu com a ambição do próprio homem. A exposição Guayasamín - Continente Mestiço nos apresenta o universo deste pintor cheio de dor que seu povo sofreu. Após a primeira tela, fica impossível não querer ir fundo no mundo de cores tão diversas e contrastantes que este artista nos apresenta, não querer conhecer a história daqueles olhares tão expressivos e cheio de dores e de ira. O olhar de mãe, da mãe angustiada, dolorida. Da mãe terna e cheia de amor.
“Série A Mãe (1969)” |
Em exibição no Museu da República, em Brasília, até outubro de 2012, a exposição traz um grande acervo das obras de Guayasamín, são mais de 300 obras entre pinturas, litografias, esculturas, desenhos e esboços. Recomenda-se ir com tempo de pelo menos uma tarde inteira livre para apreciar cada obra e se deixar levar por aqueles olhares angustiantes e cheios de dor, mas também pelos olhares de esperança.
Oswaldo nasceu em Quito, Equador. Graduou-se em Pintura e Escultura pela Escuela de Bellas Artes de Quito. Realizou sua primeira exposição em 1942, aos 23 anos, obtendo todo os principais prêmios nacionais e vários internacionais, como o Gran Premio de la Bienal de España e de São Paulo. Vindo a falecer em março de 1999, aos 79 anos deixando um legado de várias obras entre quadros, murais, esculturas e monumentos.
“Gravuras, Rabiscos e Desenhos” |
Na maior parte das obras apresentadas, o que percebo são traços fortes e expressivos, delineados por formas e linhas grossas, sob uma forte influência das escolas cubista e expressionista. A exposição traz obras da chamada Era da Ira, quadros fortes que denunciam a violência do homem contra o homem; mas também tem obras da Era da Ternura, pintadas entre 1988 e 1999, como uma homenagem a sua mãe e a todas as mães, símbolos de defesa da vida.
“Mãe e Filho (1982)” |
A dualidade ira/ternura está presente em suas obras nas cores que usa. As telas da ira trazem tons monocromáticos, sombrios, em alto contraste com as da ternura que trazem tons vivos e cheios de brilho, mas sem perder o traço forte característico do pintor. A série de litografias é como um sopro de esperança do artista para o seu povo.
“Choro, Medo e Ira (1963-65)” |
“Cabeça e mãos em azul (160/175), Cabeça e mão (150/175), Cabeça #3 (140/175) e Dorso Nu (28/175)” |
Entre as obras apresentadas, destaco A série Os Desesperados I, Homenagem aos Mártires, a série A Mãe e Lágrimas de Sangue entre as que mais me chamou atenção. Nos quadros da série Os Desesperados, o azul é tão forte e profundo que deixou minha alma em silêncio, como se meu olhar não fosse mais o meu, mas o do artista, o olhar do exato momento em que Guayasamín vivia a experiência de pintar estas telas. As formas orgânicas e distorcidas das telas me comoveram, é uma imagem de dor que só nos restar calar, não diria admirar a obra, mas o povo ali homenageado/sofrido.
“Os Desesperados 1 (1966)” |
“Homenagem aos Mártires (1963-65)” |
Propositadamente, o que nos é apresentado depois, são esculturas mexicanas, obras sacras como uma forma de nos aliviar a alma e o torpor causado pelas telas da ira, e então, nos é apresentado as litografias cheia de cores e vida e podemos voltar a respirar.
Foi uma grata surpresa conhecer as obras deste artista e aproveito para quem morar em Brasília ou estiver de passagem por lá que visite a exposição e deixe-se envolver pelo olhar mestiço de Guayasamín.
“Lágrimas de Sangue (1973)” |
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Mais imagens da exposição aqui.
Red Kisses,
Chris, The Red
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